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CUIABÁ, 8 A 14 DE MAIO DE 2014
POLÊMICA
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MOROSIDADE
Burocracia emperra casos de adoção
Abrigos que eram apenas para ser local de passagem estão se tornando verdadeiros internatos para crianças abandonadas pelos pais
Rafaela Souza
Adotar uma criança
ainda não é um processo
fácil. Em Mato Grosso,
muitas pessoas aguardam
de três a cinco anos para
conseguir a guarda
definitiva de uma criança.
E o principal problema da
demora desse
procedimento está no
acúmulo dos processos na
esfera judicial, o que tem
levado os menores a
crescer sem referência
social no interior dos
abrigos, locais que
deveriam servir apenas de
passagem para as vítimas
de abandono e violência
doméstica.
Mãe acima dos laços sanguíneos
Para várias mulheres,
ser mãe está acima dos
laços sanguíneos, e
quando por algum motivo
não podem ter filhos a
adoção torna-se um dos
caminhos para realizar
esse sonho. E com a
busca da Justiça por
acelerar o sistema de
adoção no Brasil, o Dia
das Mães será um toque
especial para muitas
famílias que aguardam na
fila o filho tão esperado.
Quem saboreia hoje
esse gostinho de ter a
família mais completa é a
pedagoga Cácia Moreira
Souto, que após três anos
de espera hoje aproveita
os momentos com o filho
Lucas, de 3 anos.
Casada com o
defensor Cláudio Souto,
Cácia conta das
dificuldades que teve para
adotar o pequeno Lucas e
o quanto essa demora
prejudicou o
desenvolvimento dele.
“O Lucas foi entregue
pela mãe de sangue com
apenas seis dias de
nascimento e levou um
ano e sete meses até a
Justiça nos entregar.
Quando veio para nossa
casa, ele não sabia falar e
tudo era novidade, pois
nunca havia saído do
abrigo”, diz a mãe
orgulhosa.
A mãe de primeira
viagem conta que a
adaptação, diferentemente
de algumas famílias, foi
muito fácil e logo ele já
chamava o casal de
mamãe e papai e logo foi
ocupando todos os
espaços da casa.
“Ele logo se sentiu à
vontade com a gente e é
muito carinhoso, tanto
que o consideramos um
presente de Deus na
nossa vida, que por sinal
mudou muito. Pois o
Lucas não para um
minuto e toda a estrutura
da nossa precisou se
adaptar, mas é uma
diversão ter ele em casa.
Tanto que considero que
a nossa família finalmente
ficou completa”, contou
Cácia que já planeja
adotar mais uma criança.
Demora na adoção terá intervenção do CNJ
Esta semana o
Conselho Nacional de
Justiça determinou
mudanças para
acelerar os processos
de adoção, e entre as
medidas está a
investigação de juízes
que conduzirem a
tramitação de
processos de adoção
há mais de um ano
sem proferir sentença.
O Estatuto da
Criança e do
Adolescente (Lei n.
8.069, de 1990)
determina prazo
máximo de quatro meses
para conclusão do estudo
social para analisar se a
criança continuará ou não
no poder familiar. O
objetivo é evitar que as
crianças fiquem nos
abrigos indefinidamente,
sem vínculo familiar.
Para o defensor
público de Mato Grosso,
Cláudio Souto, que
também já esteve na fila
de espera para adotar uma
criança e hoje se alegra
com as vantagens de ter
uma criança em casa,
afirma que o prazo ideal
para que toda a
investigação seja realizada
é de no máximo seis
meses; mais do que esse
tempo a criança perde
toda a referência de
família dentro do abrigo e
pode entrar em casos que
ultrapassam a idade de
adoção que a maioria das
famílias procura.
“Já defendi casos na
Justiça que duraram três
anos para que as famílias
conseguissem adotar uma
criança e esse tempo é
muito longo para um
menor que está dentro do
abrigo. Lógico que
considero a
investigação para que a
criança retorne para a
família essencial,
contudo essa
morosidade pode levar
a outro problema social
que seria a adoção
ilegal, e com isso
podem surgir vários
problemas futuros,
como no caso da mãe
natural que tenta tomar
o filho de volta,
causando um grande
transtorno”, diz
Cláudio Souto.
Um dos motivos da
demora no processo é o
fato de o Estatuto da
Criança priorizar sempre
o retorno do menor para a
família natural, ou
extensa, que seriam os
avós ou tios. Contudo, até
encontrar esses familiares
e analisar a viabilidade de
eles serem os
responsáveis, essa ação
pode levar anos, apesar
de a Lei 12.010 prever
prazo máximo de dois
anos para a permanência
das crianças dentro de
abrigos.
De acordo com a
defensora pública de
Várzea Grande Cleide
Regina Ribeiro, uma das
ações que facilitaria o
serviço de fiscalização
para que não permitisse
que as crianças ficassem
muito tempo dentro dos
abrigos seria o acesso
irrestrito da Defensoria ao
cadastro.
“Há vários casos de
adoção que estão parados
na Justiça por até quatro
anos esperando uma
decisão, sendo que a
prioridade é o retorno da
criança para a família de
origem ou ser entregue a
pais adotivos. Mas se a
Defensoria tivesse acesso
a esses processos,
poderíamos fiscalizar
mais bem o andamento e
pedir agilidade nos que
ultrapassaram o limite”,
diz a defensora.
Outra questão
levantada pela defensora é
a falta de políticas
públicas para acompanhar
as mães antes de terem os
filhos e os abandonarem.
“Hoje conhecemos muito
a expressão “filhos do
crack”, mas essa situação
só existe porque o Estado
não acompanha as mães
que engravidaram e
continuam no mundo das
drogas. O certo a se fazer
nesse caso é oferecer um
local de internação para
que pelo menos durante a
gestão seja realizado o
pré-natal e assim evitar
que muitas crianças
nasçam com doenças,
mas isso não existe em
Mato Grosso”, lamenta
Cleide Regina.
Com relação à
atenção às famílias, casos
de irmãos que são
retirados dos pais também
teriam mais sucesso caso
o Estado colaborasse com
tios ou avós para que
estes tivessem condições
de cuidar das crianças. A
prioridade nesses casos
deveria ser a abertura de
vagas em escolas públicas
integrais para que as
crianças tivessem ensino
de qualidade, além disso,
o Bolsa Família para
atender à demanda da
renda que cresceria e o
acompanhamento
psicológico ao longo do
crescimento.
“Em Várzea Grande
temos casos de nove
irmãos que estão no
abrigo e estamos
buscando a viabilidade de
eles morarem com os
avós, contudo não
podemos jogar toda a
responsabilidade para
essas pessoas que nem
têm a situação de
alimentar mais nove
bocas. Então, é nesse
momento que todo um
conjunto de ações deve se
organizar para que as
crianças não retornem
para o abandono”, diz a
defensora Cleide Regina.
Fotos: André Romeu
Para a defensora pública Cleide Regina, a abertura do cadastro de
adoção para Defensoria ajudaria na fiscalização dos casos parados
A permanência mínima de uma criança no Lar da Criança deve ser de dois
anos, porém não é essa a realidade de muitos, mesmo em fase ideal de adoção
O defensor Cláudio Souto, que já esteve na fila de adoção, aponta
que a investigação familiar é a ação mais demorada na Justiça
A pedagoga Cácia Souto
conta que demorou mais de
três anos para conseguir
adotar, mas que hoje só tem
o que comemorar com a
chegada do filho, Lucas