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CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 8 A 14 DE MAIO DE 2014
CULTURA EM CIRCUITO
PG 4
www.circuitomt.com.br
ENCANTOS
João Carlos Manteufel,
mais conhecido como João Gordo,
é um dos publicitários mais
premiados de Cuiabá
CALDO CULTURAL
Por João Manteufel Jr.
EXISTEVIDAPÓSAIDS
ABCDEF....GLS
Por Menotti Griggi
Menotti Griggi é
geminiano, produtor
cultural e militante incansável da
comunidade LGBTT
cultura@circuitomt.com.br
Me encanta olhar tristeza
Donzela que perdeu a razão
Puta que perdeu a certeza
Colegial sofrendo de tesão
Velha amargando pureza
Me encanta histórias tristes
Meninos mais fortes que homens
armados com dedos em riste
Matar ou morrer por fome
Negar que algo maior existe
Me encanta ouvir adeus
Marias diabólicas com ar de santas
Rodando bolsas como pneus
Cantando calúnias pra quem as canta
Me encanta
Me encanta
A fé assassinar ateus
Cruzadas eternamente vazias
Roubar mitos e tudo que é seu
dizer que a alma sofria
matando fingindo que é deus
jurando a lúcifer que faria.
Me encanta escrever mentiras.
Me encanta.
Recebi esta semana um telefonema de
um leitor com um pedido: que eu
publicasse a história de vida dele em
convivência com a soropositividade.
Fiquei bem comovido com as palavras
ditas por ele. C. S. é estudante de
jornalismo. Segue aqui alguns trechos de
um exemplo de vida na plenitude de ter
sempre o “pensamento positivo”.
C. S. começa sua história assim:
Nesse um ano de soropositividade, minha
vida se transformou em dois grandes
desafios: um seria manter o meu estado
de saúde; o outro lutar contra o
preconceito e a discriminação da
sociedade que ainda confunde evitar o
vírus com a evitar o portador do HIV,
como se pessoa e vírus fossem a mesma
coisa. Tive três grandes momentos. O
primeiro foi o dia, a hora em que recebia
meu exame positivo da AIDS. O segundo,
quando minha médica me informava que,
no dia seguinte, eu começaria a tomar o
coquetel. Chorei muito. lembro que
cheguei a casa, entrei no banheiro e me
encolhi de tanto chorar. O terceiro
momento foi o de buscar solidariedade da
parte de quem sempre me amou, minha
mãe. Não tinha como esconder, afinal ela
sempre foi minha amiga na tristeza e na
alegria. Pensei, repensei, achei que ela
fosse adoecer, morrer e que teria uma
reação negativa tão comum, mas não tão
humana por parte dos familiares, e me
preparei para ser expulso de casa.
Para meu espanto, ela chorou e me
abraçou e numa explosão de emoções e
sentimentos disse que me amava e me
respeitava, e o que mudou foi minha
sorologia, não meu caráter, minha
identidade. Onze meses se passaram,
tenho uma nova vida, sei que é preciso
lutar, lutar pela vida, por um novo
conceito, que AIDS não é doença de gay
tão relacionada à perversão,
promiscuidade, prostituição e drogas. A
ideia que eu tinha dos efeitos colaterais do
remédio foi suprida com sonhos,
vontades e desejos de seguir mais adiante;
que os soropositivos eram pessoas feias,
tristes, rancorosas, foi idealizado por uma
expectativa, desejo, solidariedade e muito
mais; muita alegria que vivemos um dia
após o outro sorrindo e com vontade de
chegar aos 100 anos.
Neste momento da minha vida estou
trabalhando, fazendo a faculdade que
sempre sonhei fazer, e três vezes na
semana faço musculação. Minha vida não
parou, não estagnou. Estou escrevendo
em nome de milhares de soropositivos de
Cuiabá que lutam dia após dia, em meio
a espinhos e também rosas, por
dignidade, igualdade, por liberdade. Não
tenha medo de fazer o exame, existe vida
após a AIDS. A AIDS nos obriga a olhar
para tudo aquilo que a sociedade
brasileira finge não ver e esconde: a
desigualdade, o preconceito, a hipocrisia,
a falência do sistema de saúde, a
incoerência da Justiça, a fragilidade das
relações pessoais. A AIDS nos convida a
refletir sobre a vida e sobre a morte, nos
faz entender que sobreviver não é
sinônimo de viver. Percebemos que a
desigualdade, o preconceito, a
discriminação, o racismo, a diferença
entre ricos e pobres, a corrupção de
alguns políticos, a fome, a homofobia
também são doenças graves, piores do
que AIDS e ainda não têm tratamento.
Parabéns ao C. S. pela superação e
atitude!