Page 5 - 398

Basic HTML Version

CIRCUITOMATOGROSSO
POLÊMICA
P
G
5
CUIABÁ, 5 A 11 DE JULHO DE 2012
www.circuitomt.com.br
VIOLÊNCIA INFANTIL
Vítimas de maus-tratos sem assistência
Promotor Paulo Prado não poupa críticas à qualidade da assistência oferecida às crianças agredidas.
Por Andhressa Sawaris Barbosa. Fotos: Mary Juruna
Crianças vítimas de
maus-tratos e abuso
sexual são reféns de seus
agressores com a
conivência dos governos
estadual e municipal. A
crítica parte de diversos
setores ligados
diretamente à defesa dos
direitos da criança e do
adolescente de Mato
Grosso. “Faltam
administradores
interessados em ter
cuidados com a criança.
A grande maioria precisa
ser provocada pelo
Ministério Público”,
desabafa o titular da
Procuradoria
Especializada da Criança
e Adolescente, Paulo
Roberto Jorge do Prado.
O promotor ainda
reclama do sucateamento
dos Conselhos Tutelares:
“Pra ver a atenção dada
à criança, é só olharmos
a estrutura dos Conselhos
Tutelares em prédios
sucateados, velhos,
totalmente impróprios
para atender às nossas
crianças. Além disso, os
próprios conselheiros não
têm garantias trabalhistas
ainda e não recebem um
salário digno”, diz.
“Estamos impotentes
diante da situação”,
lamenta o presidente do
Conselho Municipal da
Criança e do Adolescente,
Jader Moraes. Ele conta
que não há abrigo para
a criança que precisa ser
retirada do convívio com
o agressor. “O Lar da
Criança está
sobrecarregado, não há
vagas para alojar
transitoriamente e os
Conselhos Tutelares são
obrigados a levar a
criança até um parente
que possa cuidar”,
observa.
Em 2011 foram
registrados 773 casos de
maus-tratos e 177 de
abuso sexual. “Como
acabamos atendendo
somente a denúncias, a
maioria dos casos não
chega até nós”, conta a
coordenadora geral
do s
Conselhos
Na saúde a situação
é ainda mais precária
Dos 10.846
atendimentos dos
Conselhos Tutelares de
Cuiabá em 2011, cerca
de 1.500 são
relacionados a
deficiências na prestação
de serviços de saúde
pública. Tanto a
coordenadora dos
conselheiros, Flávia
Carvalho, quanto Jader
Moraes, do CMDCA,
alertam para o alto
número de atendimentos
que os conselhos têm feito
a fim de viabilizar vagas
em hospitais (o
Circuito
Mato Grosso
já tratou
da falta de leitos) e falta
de remédios na rede
pública. Nos casos de
crianças com
A secretár ia de
Ass i s tência Social
de Cuiabá,
Regina Kaezer , e
o di retor de
ges tão da pas ta,
Adi l son dos Rei s,
negaram que
fal tem vagas para
acolher cr ianças
ví t imas de
v iolência. “Temos
es tudos que
cons tataram o
fato de que não
preci samos de
mai s um abr igo”,
defende Rei s que
ainda reclama da
Secretária diz que críticos
não reconhecem empenho
necessidades especiais e
problemas neurológicos,
a situação está ainda
pior, não há remédios
específicos na Farmácia
de Alto Custo (Governo
do Estado) nem nas
farmácias dos postos de
saúde (Governo
Municipal).
As precariedades não
se limitam à estrutura, vão
além. Não há
neurologistas e
oftalmologistas para
atender à demanda de
crianças doentes. É o que
conta a conselheira do
bairro Coxipó, na capital,
Telma Biage. “O
conselho é um dos últimos
recursos que a família
tenta para viabilizar
médico e remédio, e todo
dia atendemos muitos
casos, dá pra ter uma
ideia de como as coisas
andam mal”, diz.
Um dos casos
recentes a sensibilizar a
conselheira foi o de uma
mulher que passou quatro
meses com o feto morto
no útero sem receber
nenhum tipo de
atendimento. Outro é o
de uma criança que
aguarda há mais de um
ano por consulta com um
oftalmologista. “Não
estamos conseguindo
consultar pela rede
pública ou particular nem
com a intervenção do
Ministério Público”, conta
Biage.
ausência de apoio por
par te do Governo do
Es tado.
“Não recebemos
ajuda, mesmo com o
inchaço populacional
com a vinda da Copa,
e é Cuiabá quem vai
absorver todo o
impacto social desse
evento”, conta. Para a
secretár ia, a cr í t ica da
fal ta de vagas “é o
não reconhecimento do
t rabalho real i zado até
agor a” .
Tanto secretár ia
como di retor ins i s tem
no fato de que a
cr iança tem que
ser encaminhada
à res idência de
um parente e, se
houver algum
caso em que i sso
não seja poss ível ,
os mecani smos
di sponí vei s devem
ser acionados.
Cuiabá conta
com apenas um
abr igo, a Casa
Paulo Prado, que
di sponibi l i za 17
vagas para
atender meninas
ví t imas de abuso
sexual .
Tutelares
,
Flávia
Cr ist ina
da Silva Carvalho. A
situação se torna ainda
mais difícil nos casos de
reincidência, que o
presidente do CMDCA
acredita serem muitos.
“Como a criança acaba
voltando pra casa ou fica
com algum parente
próximo, fica vulnerável”,
suspeita Moraes. Além
disso, o número de
conselheiros é insuficiente
para atender à demanda.
“Você tem que se anular
como pessoa para ser
conselheiro”, fala a
coordenadora Flávia.
O ECA prevê que a
responsabilidade dos
abrigos é da prefeitura,
uma vez que se trata de
uma medida de proteção
especial de alta
complexidade. As casas
de acolhimento são
medida de proteção
provisória e excepcional,
mas necessárias em
muitos casos. A
orientação é de que as
crianças devem ser
restituídas aos pais, logo
que a situação é
resolvida, ou encaminhar
para famílias substitutas.
Além disso, pessoas da
área afirmam que os
municípios devem ter
reserva em orçamento
para construção e
manutenção de abrigos.
No entanto, esta é uma
realidade bem distante,
como alerta o promotor
Paulo Prado. “Não vemos
planos de ação por parte
das instituições.
Queríamos que não fosse
preciso tirar a criança de
casa, mas as crianças
sofrem violência
diariamente, e há sim
necessidade de vagas,
além de melhorar a
estrutura dos abrigos”,
explica.
SAÍDAS
Uma proposta seria
ter o apoio de famílias
que se disponibilizariam a
acolher temporariamente
crianças em situação de
risco. O número de casos
em que a medida foi
possível é pequeno, uma
vez que um processo para
colocação ou não em
família substituta pode
durar de dois meses a
alguns anos. Além disso,
“não há creches nem pré-
escolas suficientes, coisa
básica, o que faz com
que as crianças fiquem na
rua e isso aumenta as
chances de sofrerem
maus-tratos, além do que
caracteriza abandono”,
diz Jader Moraes, do
CMDCA.
O promotor de
Justiça afirma que cada
situação tem que ser
criteriosamente analisada.
De acordo com Paulo
Prado, é grande o
número de casos em que
os pais se separam e
abandonam os filhos na
casa de parentes, onde
são violentados. Nesses
casos, o número de vagas
nos abrigos não está
dando conta da
demanda. “O MP e o
Poder Judiciário têm
verificado a situação e
apontado, principalmente
às prefeituras de Cuiabá
e Várzea Grande, no
sentido de melhorar a
estrutura dos abrigos
locais e aumentar o
numero de vagas, mas é
ruim que seja preciso
provocar os gestores para
que algo seja feito”,
conta.
“A gente brinca de
faz de conta, porque
parece que as secretarias
que deveriam cuidar dos
casos são surdas e
imóveis”, desabafa Jader
Moraes.
Maioria dos casos de maus-tratos ocorre dentro da própria família
Flávia Carvalho,
coordenadora dos
Conselhos Tutelares
de Cuiabá
Promotor Paulo Prado é crítico
em relação à assistência
dispensada pelo Poder Público
à criança vítima de maus-tratos
Jade r Mor aes , p r es i den t e
do Cons e l ho Mun i c i pa l
da Cr iança e do
Ado l e s c e n t e
Poucos abrigos que existem estão sempre lotados