CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 21 A 27 DE JUNHO DE 2012
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CUIABÁ, 21 A 27 DE JUNHO DE 2012
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GRILAGEM
Moradores de bairros nascidos de invasão fomentada por políticos, e que viram currais eleitorais, sofrem sem infraestrutura.
Por Sandra Carvalho e Andhressa Sawaris. Foto Mary Juruna
O lado clandestino de Cuiabá
A paisagem natural da
capital mato-grossense foi
transformada nos últimos
40 anos, sem qualquer
preocupação por parte do
poder público e de uma
parcela da população em
relação à legislação
quanto aos padrões de
saúde e à qualidade
ambiental. As ocupações
irregulares em Cuiabá,
como aponta estudo
assinado por Wagner
Garcia no curso de pós-
graduação em Geografia
da Universidade Federal
de Mato Grosso, são fatos
sociais irreversíveis, cujas
origens, tendências e
consequências devem ser
investigadas e apuradas
para o enfrentamento da
evidente crise habitacional.
“O problema do
surgimento de bairros
através de processos de
invasões e da construção
de moradias ilegais é
complexo e estreitamente
relacionado a fatores
econômicos, sociais e
culturais”, diz Wagner
IMPACTOS AMBIENTAIS
Depósitos de lixo a céu aberto
Aterramento de várzeas para as construções
Ocupações com desmatamento de áreas protegidas por lei
Queimadas com produção de fumaça
Pontos de lançamento de esgoto com geração de gases
Desbarrancamento das margens de córregos
Geração de poeira proveniente de ruas sem asfalto
Intensificação dos processos erosivos
Degradação da paisagem
Insuficiência de áreas públicas
Carência de infraestrutura e de serviços e equipamentos públicos
Redução das condições de habitabilidade
Assoreamento
Contaminação das águas
Poluição hídrica
Doenças
Redução das condições de circulação e trafegabilidade das ruas.
É muito comum a comercialização de lotes em ocupações irregulares que muitas
vezes nem envolvem dinheiro, sendo comum a troca por carros velhos, motos e
outros bens que possuam valor agregado. Geralmente entre os primeiros ocupantes
das áreas denominadas ‘grilos’ – como são comumente chamadas as ocupações
irregulares em Cuiabá – estão pessoas com o intuito de simplesmente obter lucro
com a valorização do lote no futuro bairro.
Em 2010 foi extinto o
nstituto de Planejamento e
esenvolvimento Urbano
IPDU), cujas funções
oram incorporadas pela
ecretaria Municipal de
esenvolvimento Urbano
SMDU), desmembrada da
ecretaria Municipal de
eio Ambiente e
esenvolvimento Urbano.
O secretário Sílvio
idelis nega publicamente
ue existam prejuízos que
ieram da extinção de um
etor específico para o
lanejamento urbano. Mas
A ausência de
ontrole sobre o
rescimento da população
evou bairros da capital à
ituação de calamidade.
o caso do Doutor
ábio, setores I e II,
undado a partir de
cupações irregulares.
em asfalto, esgoto,
gua, posto de saúde,
Planejamento urbano
parou com fim do IPDU
Moradores à espera de regularização
posto policial ou qualquer
sinal de urbanização, as
famílias que residem ali
ainda esperam a
prometida regularização
fundiária.
“Estamos aqui desde
1997 e fomos nós
mesmos que organizamos
tudo e demos nome para
as ruas”, conta Maria
Orly da Silva. A
moradora, que é também
presidente de bairro,
esteve entre os
coordenadores da
ocupação. Quanto às
razões para terem se
estabelecido no local, ela
fala que “ninguém tinha
onde morar, não tinha
opção”.
De acordo com o
arquiteto José Lemos, a
habitação para a
população em situação
de miserabilidade deve
ser promovida pelo poder
público, uma vez que este
é o responsável pela
promoção social. Em
meados da década de
1970, o crescimento
populacional atingiu um
percentual muito alto
devido às migrações.
Assim, o governo estadual
criou a Companhia de
Habitação Popular do
Estado de Mato Grosso
(Cohab), responsável
pela construção de
habitações populares.
Contudo, se
passaram longos anos
sem nenhuma política
pública para a área. “Na
falta de uma política de
urbanização, uma das
alternativas para essas
pessoas foram as
ocupações”, analisa
Lemos. Nesse contexto, a
chamada “indústria da
o que ocorre é que desde
então não se encontra
nenhum estudo ou
publicação a respeito do
controle e do
direcionamento urbano.
Hoje a SMDU tem
funcionado, basicamente,
para aprovar
empreendimentos
imobiliários.
Ou seja, além
de não buscar soluções
para os frequentes
problemas enfrentados
pela população, não há
um planejamento a fim de
evitar as consequências
previsíveis do crescimento
desordenado. O Plano
Diretor de Desenvolvimento
Estratégico, elaborado em
2007, coloca as diretrizes
gerais do desenvolvimento
da capital e determina a
revisão do abairramento
das áreas urbanas, o que
não ocorreu até hoje. Com
os novos loteamentos,
conjuntos habitacionais,
condomínios e ocupações
que ocorreram, o resultado
foi uma situação de
calamidade em alguns
bairros.
Garcia, observando que a
expansão urbana, através
das ocupações irregulares,
no final da década de
1990 superou o processo
da cidade oficial. “Os
órgãos responsáveis pelo
controle ambiental, sem
condições humanas,
financeiras e estruturais,
tornaram-se quase que
incapazes de realizar um
monitoramento contínuo,
ágil e sistemático”.
Essa reduzida presença
da fiscalização é que teria
facilitado a ocupação
predatória em áreas de
risco, próxima de linhas de
alta tensão, em áreas
sujeita a inundações e em
lugares propícios à
proliferação de vetores de
doenças. “Cuiabá, assim
como muitas cidades do
Brasil, sofre com o
crescimento desordenado,
tendo em vista que é
comum a prática de
invasões e a construção de
casas sem nenhuma
fiscalização. Assim, com o
passar do tempo e o
crescimento populacional,
o que se percebe é um
conglomerado de casas
sem nenhuma
infraestrutura, onde falta
energia, rede de esgoto e
água tratada, dentre tantos
outros problemas que
colocam em risco a vida
dos moradores”, pontua o
geógrafo.
Os impactos
ambientais podem ser
percebidos, visualmente,
no meio físico através da
redução da cobertura
vegetal, do aumento de
áreas impermeabilizadas,
assoreamentos e
contaminação de cursos
d’água, porém, são de
difícil resolução, e muitas
vezes as alternativas de
recuperação são inviáveis
do ponto de vista
econômico.
GRILAGEM É
FOMENTADA POR
POL Í T ICOS
A organização das
comunidades nascidas de
invasões acaba ficando na
dependência de grupos
políticos que apoiaram ou
apoiam as ocupações
irregulares. São bairros
que se transformam em
‘currais’ eleitorais, fontes
de votos baratos para os
políticos ou candidatos que
apoiam o seu surgimento
ou a resistência à
desocupação dessas áreas.
Esses movimentos
reivindicam e defendem
seu espaço, e o
consolidam como área de
ocupação popular,
intensificando a construção
de barracos, a negociação
dos lotes, e até dos
materiais de construção,
como forma de
“inviabilizar” as ordens de
despejo. É o caso do
Jardim Renascer que
resistiu aos interesses da
especulação imobiliária e
se consolidou,
estruturando-se com os
principais serviços urbanos
necessários ao bairro,
como: comércio varejista,
igrejas, ônibus, sistema de
abastecimento de água e
rede de energia elétrica,
ainda que não exista rede
de esgoto com o devido
tratamento.
Algumas áreas,
ocupações mais antigas, já
se transformaram em
bairros reconhecidos e
regularizados pelo poder
público e estão dotadas de
boa infraestrutura, por
vezes,
melhor que alguns
loteamentos implantados
pela iniciativa privada, a
exemplo do Jardim Leblon.
Outros bairros, porém,
não conseguem manter a
capacidade de
mobilização para
reivindicar melhorias. Vão
aos poucos perdendo sua
força aglutinadora,
entrando em processo de
acomodação e
deterioração. É o caso dos
bairros Pedregal e
Renascer que, apesar de
estarem situados em áreas
próximas ao centro da
cidade, no passado já
tiveram melhor
infraestrutura. Atualmente,
estão num progressivo
processo de degradação
dos espaços coletivos e de
redução da qualidade
habitacional, diminuindo,
por consequência, a
qualidade de vida dos
moradores.
invasão” foi usada de
forma oportunista por
políticos em busca de
votos e por grileiros que
sabiam da situação
irregular dos terrenos e
“contratavam” os serviços
de invasão a fim de ter
uma intervenção do
Estado. José Lemos
designa esse processo de
“faroeste urbano” e
afirma ainda que é
preciso considerar a
situação socioeconômica.
“Muitas vezes a
urbanização que fornece
infraestrutura acaba
agregando valor aos
imóveis, deixando os
beneficiários que têm
baixa renda à mercê do
assédio imobiliário e
acabam se desfazendo
da casa. Garantir um teto
só não basta”, explica.
Se para quem anda
pela região central de
Cuiabá já é complicado
lidar com a falta de
estrutura urbana, para
aqueles que residem em
bairros de periferia os
problemas se amontoam. A
ocupação desordenada de
regiões da capital relegou
a população mais pobre
ao isolamento geográfico e
social. Para dona Maria
Orly, “governo não existe
para a gente; só quando
chamamos a polícia”.
A questão dos
latifúndios rurais já é bem
conhecida,
mas pouco se
fala da concentração de
propriedades urbanas. De
acordo com o arquiteto
José Lemos, Cuiabá tem
hoje 40 mil terrenos
urbanizados vagos, número
que seria suficiente para
dar conta do crescimento
populacional pelos
próximos dez anos.
“Os ‘lotefúndios’
poderiam ser evitados se
fosse instalado o imposto
progressivo que force os
lotes a irem para o
mercado, porque a
especulação imobiliária só
prejudica a cidade”, diz.
Crianças moram à
beira de nascente e
convivem com
esgoto a céu aberto
no bairro Renascer
Falta asfalto, coleta de lixo, rede de esgoto e,
naturalmente, saúde a moradores do Renascer
Buracos pelas ruas colocam em risco vida das pessoas
Esgoto corre na porta das residências dos moradores
Lamaçal por todos os cantos e ruas intransitáveis
Pol í t icos fomentam indústria do gri lo e bairros nascidos
de invasão acabam virando currais eleitorais
Crianças transi tam entre
o esgoto e o l ixo
Fundadora do bairro Dr.
Fábio, dona Maria Orly
José Antônio Lemos, arqui teto