CIRCUITOMATOGROSSO
PANORAMA
P
G
2
CUIABÁ, 24 A 30 DE ABRIL DE 2014
www.circuitomt.com.br
AGRICULTURA FAMILIAR
Chuva isola pequenos produtores
Poucos recursos e clima desfavorável deixam agricultores de pequeno porte ainda mais vulneráveis.
Diego Frederici
Potência no
agronegócio em nível
mundial, ao contrário dos
latifúndios, o Brasil tem
na pequena propriedade
rural a maior parte de
unidades no campo.
Dados da Secretaria da
Agricultura Familiar,
órgão ligado ao Ministério
do Desenvolvimento
Agrário (MDA), apontam
que 84% dos
estabelecimentos rurais no
país pertencem a esse tipo
de imóvel. A ampla
maioria, entretanto,
parece não se traduzir em
força política, tendo em
vista sua vulnerabilidade
ao clima e à logística,
deixando essas pessoas
isoladas em suas terras.
Se o excesso de
chuvas provoca dor de
cabeça aos grandes
fazendeiros – que já
perderam 250 mil
toneladas de soja em Mato
Grosso –, as precipitações
Isolados, produtores jogam leite fora emAripuanã
Produtores rurais da
comunidade de Conselvan,
distante 80 km da sede do
município de Aripuanã
(1.020 km a noroeste de
Cuiabá), estão tendo
grandes prejuízos devido à
falta de manutenção de
estradas vicinais neste
período chuvoso. O
isolamento está levando-os
inclusive a jogar fora
grande quantidade de leite.
Com as estradas
interditadas, falta espaço
para armazenamento do
produto.
Um exemplo são as
linhas Bom Futuro e
Progressinho que há dois
anos não tiveram suas
estradas patroladas, com
isso as estão precárias
dificultando a passagem do
caminhão leiteiro do
laticínio de Juruena que
busca o leite da região.
Segundo os
produtores, o caminhão vai
até a entrada da linha Terra
Boa e não segue em frente
devido às péssimas
condições da Estrada
Progresso. “Há pelo
menos dois meses o
caminhão do leite não vai a
várias localidades”,
reclamam.
O produtor rural Eleno
Duarte, da Linha Baixão
das Oliveiras, teve que
jogar fora 2 mil litros de
leite na semana passada,
porque os bueiros foram
levados pelas chuvas em
dezembro e até agora não
foram refeitos. Ele disse
que já disponibilizou novos
bueiros e só está
aguardando as máquinas da
Secretaria Municipal de
Obras para executar o
serviço. Enquanto o
serviço não é realizado,
Eleno já prevê que terá que
jogar mais leite fora
quando encher novamente
o resfriador.
Rafael da Silva,
morador antigo de
Conselvan, vê com muita
tristeza a atual condição do
produtor rural, que tira
leite todo dia e há mais de
dois meses não consegue
fazer a distribuição do
produto aos consumidores.
“Quando o resfriador de
leite enche, temos de jogar
todo o trabalho, a renda do
produtor rural fora”,
lamenta.
Alguns produtores de
leite como o senhor Waltair
Ricarte, da Linha União,
estão trocando o gado
leiteiro pelo gado branco.
Nos últimos meses ele
perdeu por vários dias toda
a produção de leite. Fez um
grande investimento na
compra de vacas leiteiras,
produzia por dia 250 litros
de leite e tinha dois
resfriadores de leite, num
total de 3.000 mil litros.
Outro problema está
relacionado às condições
de pontes. Recentemente
moradores da Linha 01
refizeram uma ponte,
porém ela não resistiu ao
tráfego e à correnteza e
caiu, o que também
aconteceu nas linhas
Progressinho e Bom
Futuro. Cansados de
esperar o poder público, os
moradores fizeram a ponte
à mão.
são ainda mais sensíveis à
agricultura familiar, que
possui recursos
financeiros, tecnológicos e
humanos limitados. Nesse
sentido, além de retardar
ou inutilizar campos
inteiros de cultura,
sobretudo frutas e
hortaliças, a logística –
outro gargalo sentido por
vários setores da
economia do Estado –
também é diretamente
prejudicada pelos
temporais ou garoas
contínuas.
Uma dos locais que
vem sofrendo esse
problema é o noroeste do
Estado, na cidade de Alta
Floresta (812 km de
Cuiabá) e outros
municípios de seu
entorno. De acordo com a
coordenadora da Iniciativa
de Desenvolvimento Rural
Comunitário, do Instituto
Centro de Vida (ICV),
Camila Horiye Rodrigues,
que atua na região, tanto o
escoamento de produtos
quanto o deslocamento
das famílias está
prejudicado. Em alguns
casos, segundo ela,
“agricultores mais isolados
não conseguem deixar
suas terras”.
“Pequenos
agricultores e moradores
do noroeste de Mato
Grosso, como Alta
Floresta, Cotriguaçu,
Apiacás e outras cidades
estão isolados em certas
áreas. Eles não conseguem
se deslocar aos centros
urbanos, muito menos
vender seus produtos”,
afirma.
As dificuldades
econômicas
inevitavelmente impactam
a área social. Além dos
problemas de
abastecimento, alunos da
zona rural não conseguem
frequentar a escola. O
saneamento básico
também preocupa nas
cidades da região
noroeste, sem contar os
riscos de deslizamentos:
Juruena, Cotriguaçu, Alta
Floresta, Juína e outras
cidades estão em
“princípio de
anormalidade”, de acordo
com a Defesa Civil.
Segundo a
coordenadora do
ICV, um dos grandes
problemas
enfrentados não só
por pequenos
produtores, mas a
população no geral,
nessa época do ano,
são os meios de
transporte que, além
de contar com uma
estrutura precária,
também sofrem com
as chuvas que
alagam e isolam
produtores,
trabalhadores etc. Ela
afirma que produtos
básicos de
subsistência estão
em falta para as
famílias.
“Estamos enfrentando
problemas de distribuição,
devido às estradas que estão
em péssimas condições em
virtude das chuvas. Há falta
de mantimentos e produtos
básicos, como gás de
cozinha”, diz.
Centro econômico e
político de Mato Grosso,
Cuiabá experimentou uma
rápida expansão
financeira nos últimos
anos. Anotando um
Produto Interno Bruto
(PIB) de R$ 12,4 bilhões
em 2011, de acordo com
o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística
(IBGE), alémdos prédios
e da vida noturna, a
cidade tambémabriga
propriedades rurais.
Porém, assim como
produtores em
municípios de todo o
Estado que sofrem com
as consequências das
chuvas, a capital mato-
Capital também sofre com precipitações
grossense também peca na
infraestrutura proporcionada
à agricultura familiar.
AdemirMoura da Silva
é presidente do
Assentamento 21 de Abril,
localizado na região do Pedra
90, emCuiabá. Segundo ele,
historicamente os residentes
e produtores da localidade
tiveramdificuldades na
época das chuvas, que os
deixavam isolados. Em
outubro de 2013 a população
teve esperança de que os
problemas de acesso à área e
o escoamento de
mercadorias estariam
solucionados devido à
construção de uma ponte
utilizada para deslocamento
das pessoas. Porém,
infelizmente, elas estavam
enganadas.
“Não conseguimos nos
deslocar e estamos isolados
aqui. Já ficamos presos por
dois dias, ninguém conseguia
chegar e ninguém conseguia
sair. A ponte que foi feita
deixou muito a desejar. O
sistema de vazão não
funciona”, afirma.
OCensoAgropecuário
2006, levantamento do IBGE
referente a imóveis rurais,
publicado em2012, afirma
que existem 1.289
propriedades desse tipo na
Capital, somando um total de
mais de 126 mil hectares. No
entanto, os R$ 800 milhões
de investimentos na
agricultura familiar,
provenientes do Plano Safra
paraAgricultura Familiar
2013-2014, do Governo
Federal paraMato Grosso,
parecem não ser suficientes
para oferecer condições
mínimas de infraestrutura a
esses lavradores.
Para o presidente da
Associação de Agricultores
Familiares deCuiabá
(Agrifac), Dorival Rigotti, a
dificuldade de deslocamento
e transporte de mercadorias,
na Capital, “sempre existiu”.
Ele afirma que os pequenos
proprietários de terras, por
não possuírem estrutura,
“sofrem tanto na seca quanto
na chuva” e que as
condições das estradas de
acesso são um dos grandes
problemas, tendo em vista
que os produtos colhidos
pelos trabalhadores do
campo têm prazo de
validade.
“O produto depende
basicamente do clima.
Quando chove, alaga o
campo e a estrada fica
pior do que já é, e quando
seca não dá para plantar.
Depois que se colhem
frutas, verduras e
hortaliças, há um tempo
para se armazenar e
transportar, senão tudo
estraga”, diz.
Ele lamenta o descaso
com uma área tão
importante para a nutrição
dos brasileiros, tendo em
vista que a agricultura
familiar é responsável por
70%dos alimentos que
chegam à mesa das
pessoas, segundo oMDA.
Rigotti afirma ainda que
cada polo de produção em
Cuiabá deveria contar com
apoio logístico.
“Cada polo de
produção deveria ter apoio
logístico. Umcaminhão
que ajudasse na
distribuição de produtos
seria de grande valia para
essas frutas e legumes
chegarem à mesa das
pessoas”, diz.
Atoleiros impedem o escoamento dos
produtos pelas estradas vicinais
Prejuízos aos agricultores
familiares são incalculáveis no
interior de MT
Sem local para estocar durante vários
dias, produtores jogam leite fora