CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 5 A 11 DE JULHO DE 2012
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O fiasco das OSS em Mato Grosso
ENGODO
Apesar da “boa intenção” dos antigos gestores, as Organizações Sociais de Saúde (OSS) em Mato Grosso incrementaram em R$230
milhões os gastos com a saúde, mas não mostram retorno.
Isadora Spadoni e Andhressa Sawaris Barboza. Fotos: Mary Juruna
O enfraquecimento do
sistema público de saúde e o
seu desinteresse por parte dos
gestores, perceptível desde o
governo Maggi – que fechou
hospitais no interior do
Estado e superlotou os da
Baixada Cuiabana – e
acentuado por Pedro Henry
que entregou, em efetivo,
unidades públicas de saúde
de Mato Grosso à gestão
particular, apresenta hoje a
pior face da herança
privatista: as propostas foram
“nobres” e os custos com a
pasta aumentaram mas, em
contrapartida, o atendimento
não teve nenhuma melhora –
os rumores são de que
piorou – e a falta de zelo e
transparência nunca foram
tão assumidas. “Em todo
lugar que buscamos
atendimento [na saúde
pública], somos humilhados”.
O desabafo foi feito por
Maria Pereira, a “Netinha”,
60, enquanto aguardava o
atendimento do esposo no
Hospital Metropolitano.
Vedete do ex-secretário
de Saúde do Estado Pedro
Henry, a unidade foi criada
com a promessa de reduzir o
número de pacientes à
espera de cirurgia, em
especial a ortopédica,
grande responsável por
ocupar leitos nos prontos-
socorros. O contrato inicial
com o Instituto
Pernambucano de Assistência
à Saúde (Ipas), qualificado
como Organização Social de
Saúde (OSS), assinado em
abril de 2011, previa a
execução de 500 cirurgias/
mês pelo valor global
aproximado de R$ 31,4 mi –
o que equivale a cerca de R$
2,7 mi mensais. O valor
recebido pelo hospital, que
dispõe de 52 leitos, é duas
vezes maior que o recurso
destinado ao Pronto-Socorro
de Cuiabá e policlínicas, que
totalizam 320 leitos.
Como se não bastasse,
o hospital está muito aquém
Propaganda é a alma do
negócio
Várzea Grande,
Rondonópolis, Cáceres,
Colíder, Alta Floresta,
Sorriso e Sino – essas
unidades totalizam o
montante de R$ 230
milhões em contratos com
o governo. O
Metropolitano não é a
única laranja podre no
cesto: no Hospital
Regional de Sorriso
(distante 420 quilômetros
de Cuiabá), a OSS
Instituto Nacional de
Desenvolvimento Social e
Humano iniciou suas
atividades em abril deste
ano de forma conturbada.
A transição dos gestores
contrariou grande parte
dos servidores, que se
demitiram em protesto
pelo atraso de salários e
desacordo com a nova
administração. Apesar da
redução no quadro de
profissionais, a OSS
continua recebendo o
repasse de R$ 3,9 milhões
por mês do Governo do
Estado, como previsto em
contrato.
A presidente do
Sindimed relata que um
dos médicos concursados
que atuavam no hospital
sofreu perseguição por se
posicionar contra. “O
Mesmo depois das
falsas promessas do
Estado em aprovar as
OSS, o engodo do
Metropolitano ainda é
desmentido pelas ações
de marketing: no site do
Ipas, a organização
gestora informa que o
Hospital Metropolitano
conquistou “Certificação
Ouro em esterilização
hospitalar”. A assessoria
de marketing presente no
local fez questão de
enfatizar à reportagem
sobre a agilidade e
qualidade na prestação
de serviços – que
segundo informou,
atende às metas
compactuadas com o
governo. Além de não
priorizar as vítimas de
traumas ortopédicos,
desde o início da gestão
privada, a OSS também
reduziu esses
atendimentos, após um
remanejamento, e, em
abril deste ano, passou a
oferecer intervenções
bariátricas.
TRANSPARÊNCIA ZERO
Falta de
transparência não é
queixa apenas dos
usuários do Sistema
Único de Saúde. Para a
presidente do Sindicato
dos Médicos (Sindimed),
Elza Queiroz, as
concessões são um
mistério. “Parece que
existe uma nuvem negra
sobre a saúde de Mato
Grosso, pois não
sabemos o que acontece,
nem o quanto de dinheiro
é realmente investido”,
afirma. A conselheira do
Conselho Regional de
Medicina de Mato Grosso
(CRM-MT) Iracema
Queiroz também tem o
mesmo discurso. Segundo
ela, até o momento a
Secretaria de Estado de
Saúde não respondeu a
nenhum questionamento
levantado pelas entidades
que compõem o
Conselho de Saúde.
“Ninguém sabe o que foi
pago ou se tiveram
termos aditivos aos
contratos. Não dá para
ter ideia, a não ser pelas
notícias que recebemos
de colegas que estão
dentro dos hospitais. E
elas não são nada boas”,
revela. A reportagem
também não obteve
respostas da Secretaria de
Estado de Saúde.
Odair Aparecido - Pedreiro aguarda há mais de 60 dias por
uma cirurgia ortopédica, procedimento que deveria ser
pr ior idade no Hospi tal Met ropol i tano
Sete unidades estão nas
mãos de OSS
servidor trabalha há vários
anos em um hospital,
presta serviços ali e, de
repente, ele não serve
mais”, conta. Situação
semelhante aconteceu na
gestão do Hospital
Municipal de Nova
Mutum, recentemente
concedido a uma OSS.
“Nesse caso, temos
acompanhado um quadro
ainda mais preocupante,
tanto que o sindicato vai
impetrar mandado de
segurança para manter o
direito dos profissionais de
continuarem trabalhando”.
Segundo Elza, as
organizações não
contratam profissionais
pelas vias trabalhistas, ou
seja, os médicos não
trabalham com registro em
carteira, apenas prestam
serviços.
das expectativas – executar
cirurgias ortopédicas, em
especial as de alta e média
complexidade: as 500
cirurgias prometidas podem
até ser executadas, mas
algumas nem deveriam ser
contabilizadas como tais.
Sem cirurgia marcada, pacientes retornam ao Hospital
Metropolitano em busca de respostas
Trata-se de pequenos
procedimentos ortopédicos e
até cirurgias de baixa
complexidade, como
retiradas de apêndices, que
são considerados – e
principalmente, pagos – da
mesma forma que as
complicadas cirurgias. A
abrangência das cláusulas
contratuais, que não
estipulam a complexidade
dos procedimentos ofertados
pela OSS, permite tais abusos
e a má aplicação do dinheiro
público.
Médico do Serviço de
Atendimento Móvel de
Urgência (Samu), Celso
Vargas afirma que o
comportamento é “digno” de
uma instituição privada que,
como tal, visa lucros e
“dispensa maiores
complicações”. “As OSS
evitam o paciente que traz
complicações, pois os gastos
são maiores”. O servidor
acusa que o Hospital
Metropolitano não tem
recebido pacientes de alta
complexidade. “Eles ganham
um incentivo maior do
Sistema Único de Saúde e
alegam que só entra paciente
regulado, mas não
entendemos essa liberdade
que eles têm de selecionar os
pacientes. Isso vai contra a
ética e as normas legais”,
afirma.
O pedreiro Odair
Aparecido Silva, 38, é prova
cabal de que o
Metropolitano não tem
cumprido suas obrigações.
Depois de sofrer um acidente
de moto e passar 15 dias no
Pronto-Socorro, Odair está
há 64 dias à espera de uma
cirurgia no tendão do braço.
“Eles disseram que o médico
vem do Paraná para fazer a
cirurgia e que seria preciso
juntar 12 pessoas com a
mesma necessidade que a
minha. Já têm 12 pessoas
esperando e o médico ainda
não apareceu”, revela o
pedreiro, que além da dor,
Para ex-secretár io de
Saúde Pedro Henry, OSS
seriam única al ternat iva
para demanda na saúde
também se queixa das
dificuldades financeiras por
estar afastado do trabalho.
“Recebia R$ 2 mil e agora
tenho apenas a ajuda do
INSS, que é de um salário
mínimo”, comenta.
Já a dona de casa
Marilda Silva, 43, ouviu outra
desculpa. Depois de cair da
escada e fraturar a coluna e
o colo do fêmur, ela espera
há mais de 35 dias por uma
cirurgia no Hospital
Metropolitano. “Eles me
disseram que falta chegar
uma placa de São Paulo.
Mas em meio a tanta
tecnologia, por que a
demora? Antigamente ela
viria de mula, mas hoje
existem aviões, não faz
sentido”.
Mesmo depois de ação judicial, Maria Pereira ainda não conseguiu
a biópsia para o marido. “A situação da saúde está caótica”
Esposa espera há mais de um mês por cirurgia ortopédica de
alta complexidade. João Carlos se mostra descrente com a OSS
Na OSS de Sorriso, transição da gestão foi conturbada.
Um médico concursado sofreu perseguição por se
posicionar contra a nova administração